O que vimos no Nepal dias antes do terremoto que abalou o país
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O que vimos no Nepal dias antes do terremoto que abalou o país

No sábado de 26 de abril o mundo se abalou com a notícia do terremoto que atingiu o Nepal, partes da Índia e do Tibet. Estávamos na China, em Pequim, quando vimos a notícia na televisão. Ainda não acredito que somente 2 dias antes da tragédia estávamos passeando em Kathmandu, nos locais que hoje estão destruídos por essa tragédia.

A primeira coisa que nos passou pela cabeça foram as pessoas que conhecemos, conversamos ou encontramos durante nossos 20 dias no país. Seja a simpática recepcionista do nosso hotel que fazia de tudo para nos agradar, o guia e o carregador que nos acompanharam nos 16 dias de trilha pelas montanhas, ou os diversos locais e estrangeiros que conhecemos pelo caminho, como, por exemplo, um casal de australianos com duas filhas pequenas, uma de 7 e outra de 6 anos. As meninas nos surpreenderam pela inteligência e irreverencia, numa tarde que passamos brincando com elas. Provavelmente eles estavam caminhando pelo Tsum Valley durante o ocorrido e ainda não sabemos se estão ou não bem e salvos. Uma angustia.  

Também conhecemos um casal bastante extrovertido de canadenses, ambos com mais de 65 anos, que andavam mais rápido que a gente e estavam voltando para Kathmandu após 15 dias de caminhada e ainda tinham energia suficiente para iniciar outra trilha. Espero e rezo para que todos eles estejam bem.

Agradeço a Deus por não estar no País durante o terremoto, mas fiquei pensando no que vimos por lá um pouco antes de tudo isso acontecer, principalmente, nos vários vilarejos que passamos e que ficam em regiões distantes dos grandes centros urbanos. Estes lugares não são mostrados nos noticiários, até porque são bem difíceis de serem alcançados.

Nessas vilas não há arquitetos ou engenheiros e as casas são construídas de forma simples, como eram feitas há vários anos atrás. As casas são feitas de pedras, com uma estrutura básica de madeira, telhados de pedras ou as vezes somente madeira, uma encaixada na outra. Além disso, os vilarejos ficam espalhados pelas montanhas, em lugares em que o risco de deslizamentos e desabamentos é altíssimo.

Durante nossos 16 dias de trilhas caminhando por esses vilarejos e pelas montanhas da região, ficamos hospedados em casas de moradores ou em pequenas pousadas pelo caminho.

Como fonte de renda para os moradores desses vilarejos, eles constroem essas pousadas com pequenos quartos para receber os diversos turistas que fazem as trilhas pelas montanhas. São casas muito simples construídas apenas para receber os turistas que passam dias caminhando pelas montanhas.

A maioria dos lugares tinham dois andares, com vários quartos. As paredes de madeira eram tão finas que dava para escutar até sussurros dos quartos ao lado. Em alguns deles, os mais curiosos podiam ver o que se passava nos outros quartos pelos pequenos vãos entre as tábuas de madeira que formavam a parede. Quando ficávamos nos quartos de baixo, eu tinha uma certa aflição toda vez que alguém pegava o quarto de cima, porque somente o caminhar da pessoa balançava o teto. Os quartos têm somente uma cama com travesseiros e poucos tem luz ou energia. A fragilidade de todos os lugares que passamos me impressionou e hoje me assusta pensando nas consequências do que pode ter acontecido.

Outra característica da região são as várias pontes suspensas que ligam a trilha de uma montanha à outra. É muito provável que alguma região tenha ficado isolada se alguma dessas pontes foi abalada. Nós passamos por pelo menos umas 10 pontes durante nossa trilha. Algumas tinham uma boa estrutura e resistência, mas outras, nem tanto.

A trilha que fizemos era repleta de subidas e descidas pelas montanhas, alguns lugares eram bastante estreitos para passar. Haviam muitas escadas feitas de pedras que podem ser facilmente deslocadas. Nosso guia nos mostrou alguns trechos que há riscos de avalanche mesmo sem terremotos.

Essas trilhas não são usadas somente para estrangeiros que vão fazer hiking no Nepal, uma vez que é o caminho de milhares de moradores que vivem na região e que precisam utilizá-las diariamente para buscar água, comida e mantimentos.

A região do Tsum Valley, onde estávamos, não é acessível de ônibus, jipe, moto ou carro. A única forma de chegar lá é a pé ou, em alguns lugares, de helicóptero. O helicóptero é utilizado em situações de emergência por estrangeiros pois os moradores não têm dinheiro para utilizá-lo mesmo estando muito doentes. Para ajudar no transporte de mercadorias, eles utilizam burros, mas alguns destes pobres animais acabam caindo do penhasco em áreas mais perigosas do caminho; por isso as mercadorias mais valiosas são sempre carregadas pelos homens.

Durante todos os nossos dias de caminhada, cruzamos com muita gente carregando os mais diversos produtos em todo o percurso que fizemos. Me surpreendia ver as pessoas andando nestes lugares escorregadios, estreitos, cheios de pedras e com um penhasco ao lado, de chinelo e ainda carregando mais de 40kg de mercadorias nas costas.

As pessoas que vivem nestes vilarejos, pelas montanhas do Nepal, tem uma vida muito diferente da que estamos acostumados. Muitas nunca aprenderam a ler e escrever e vivem da agricultura durante toda sua vida. As vilas maiores tem escolas, mas, é difícil arrumar professores que queiram dar aula nestes lugares.

Nas vilas menores vimos a maioria das escolas abandonadas. Quando encontramos uma escola com alunos na sala de aula, fomos de perto conferir. Eram crianças de várias idades misturadas que estavam desenhando em poucas folhas de papel disponíveis. Enquanto isso, a professora estava do lado de fora da escola batendo papo com outras mulheres.

E, podem ter certeza que há muitas crianças nestes vilarejos. Os casais têm uma média de 7 a 10 filhos nestas vilas. Infelizmente, pouquíssimos conseguem ter uma educação de melhor qualidade, a menos que se mudem para as grandes cidades.  

Andando por estes vilarejos, as crianças, sempre sorrindo, ao invés de nos pedir doces, chocolate ou dinheiro, diziam “Give me a pencil?” (Dá um lápis?). Compramos uma caixa de lápis para distribuir e nos arrependemos de não ter conseguido comprar mais.

Em Kathmandu, ouvimos de um arquiteto local que não há controle e nem padrões para construção de edifícios ou casas. Apesar de melhor estruturadas do que as casas pelas montanhas, não há muitas regras e o que sobra é uma grande bagunça, muita gente, muita poluição e sujeira. As ruas da cidade são sempre lotadas de gente e cada portinha há uma loja diferente, ou um restaurante, ou a casa de alguém. 

As lojas são construídas verticalmente e é comum ter que subir várias escadas, sendo cada andar um tipo de loja ou serviço. Há muitos edifícios que são hotéis e no terraço têm um restaurante. Lembro de subir muitas escadas para ver o menu dos restaurantes antes de decidir onde íamos almoçar.

Os principiais pontos turísticos que foram afetados ficam perto de uma praça central muito movimentada. O local tem uma alta concentração de locais e turistas passando o dia todo e é também uma região de muito comércio, templos e monastérios.

É triste acompanhar todas as notícias de uma tragédia como esta em um país carente, pobre e que não está nem um pouco preparado para um desastre natural, mesmo estando situado em uma região com alta probabilidade de movimentações sísmicas.

Ao invés de lembrar das dificuldades de nossa caminhada, prefiro lembrar dos sorrisos dos idosos pelo caminho, da alegria das crianças ao verem os estrangeiros, dos jovens cantando músicas locais, do tradicional “namastê” de todas as manhãs e da paisagem incrível com o sol iluminando o topo das montanhas com neve. Que Deus e Buddha deem forças para todas as famílias nepalesas superarem suas perdas e recomeçarem suas vidas.

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