Enfrentar o desafio de fazer uma trilha por 16 dias não foi das experiências mais fáceis durante nossa viagem pelo mundo. Tenho que confessar que por mais que a gente tenha caminhado bastante por todos os lugares que passamos, encarar 16 dias de subidas e descidas pelas montanhas, com caminhos cheios de pedras e rios, as vezes por mais de 8 horas por dia, não é moleza.
Claro que para algumas pessoas que adoram fazer trilhas e costumam fazer frequentemente, nosso percurso pode ser até “tranquilo”, tudo depende da quantidade de dias que deseja caminhar e até onde está disposto a chegar. No Nepal, há muitos lugares remotos a serem explorados e isso encanta muita gente.
Escolhemos seguir o percurso rumo ao Tsum Valley, ao norte do Nepal, na fronteira com o Tibet (China). O Tsum Valley é também chamado de Vale da Felicidade porque é tão escondido e difícil de chegar que o Guru Padmasambhava assim o chamou quando previu que no futuro haveria escassez de muitos recursos, mas as pessoas que vivessem neste Vale, por ser um local tão remoto e isolado, não sofreriam com isso.
O Vale é rodeado de montanhas com alguns rios passando dentro dele. Água não falta e energia tem em alguns lugares, mas eles vivem facilmente sem ela. A comida é muito simples, à base de arroz, batata e lentilha, tudo de plantações locais. Posso dizer que as pessoas que vivem nos vilarejos dessa região tem uma vida bastante diferente daquela que estamos acostumados.
Logo no primeiro dia, pegamos um jipe de Kathmandu por mais de 7 horas até chegar a primeira surpresa. O jipe encalhou porque as condições da estrada eram tão ruins que não dava para seguir em frente. A solução: colocar as malas nas costas e sair andando. Foram mais de 2 horas de caminhada, sendo mais da metade no escuro, porque o sol já tinha se posto.
Mal sabíamos que aquilo não era nada frente ao que nos aguardava. O segundo dia teve greve de ônibus (que nos levaria pelo menos 3 horas para frente) Resultado: foram quase 10 horas de caminhada. Daí para frente não tinha mais como utilizar nenhum meio de transporte porque começaria a trilha pelas montanhas. Tivemos que reduzir nosso ritmo para uma média de 5 a 6 horas de caminhada por dia, senão ficaria muito difícil para chegar ao Tsum. Além disso, não adiantaria nada a caminhada se ela fosse mais dolorosa do que prazerosa.
Depois de alcançar o Tsum Valley, fomos até o vilarejo de Nile, chegando próximo aos 3.500 metros de altura. As últimas subidas na montanha para alcançar essa altitude não foram fáceis para nós. Mesmo assim, nossa intenção era seguir em frente até Mu Gonpa, mas o tempo não ajudou, pois começou a chover muito e ficamos um dia descansando em Chhokangparo, esperando a chuva passar. Não valia a pena se aventurar na chuva com o chão todo escorregadio e sem muita paisagem para aprecicar. Percorremos cerca de 110 Km entre subidas e descidas na montanha para chegar até Nile, no Tsum Valley. Depois era hora de se preparar para a volta, o que não seria moleza pois o caminho era longo.
Claro que toda essa experiência é também recompensada pela paisagem e pela natureza incrível do lugar. A mistura do verde das árvores com o branco da neve no topo das montanhas é fascinante.
Outro ponto que merece destaque são as pessoas que encontramos pelo caminho e que abriram as portas de suas casas para nos receber ou oferecer uma simples xícara de chá. Mesmo sem entender o que falávamos, sempre havia um sorriso no rosto para nos receber. As casas eram muito simples, as vezes nem cama tinha, dormiam em tábuas de madeira com um carpete em cima.
Cruzamos com muitos moradores pelas montanhas carregando cestas, apoiadas em suas cabeças, repletas de coisas e bastante pesadas. É impressionante a força e determinação dessas pessoas. O Vale é tão afastado que não tem jeito a não ser carregar tudo nas costas ou na cabeça. Não tem idade para fazer esse percurso várias e várias vezes, sejam crianças ou idosos, o caminho pelas montanhas é a única forma de se locomover. Algumas mercadorias são também carregadas pelos burros, mas alguns lugares da trilha são tão perigosos que os objetos mais valiosos são carregados pelas pessoas, com medo de perderem o objeto e o burro.
Hospedagem
Ficamos hospedados em pequenas pousadas e casas de moradores locais com quartos simples, onde havia somente a cama com um lençol e um travesseiro. Levamos um saco de dormir para colocar em cima da cama e fazer de cobertor. Banheiro, na maioria das vezes, era do lado de fora das casas, considerando que poderia ser somente um buraco no chão. Papel higiênico não vimos em nenhum lugar; a sorte é que levamos o nosso.
Banho?
Em uma viagem como essa, não tem alternativa a não ser deixar a vaidade de lado. É muito difícil tomar banho todos os dias. Água fria na maioria dos lugares, muito fria porque vinha das montanhas. Achamos alguns poucos lugares com água quente e na maioria dos casos era preciso pagar uma taxa extra pelo banho, mas nem preciso falar o quanto valia a pena.
O problema era que nem sempre tinha chuveiro, sendo que as vezes era uma torneira ou somente uma mangueira. Ok, sempre há uma solução: o tradicional banho de canequinha com água fervida pode funcionar, mas nos lugares de maior altitude, o vento era tão gelado que não havia canequinha suficiente para esquentar.
Por causa do frio e da falta de chuveiro em algumas casas que passamos, chegamos a ficar 6 dias sem tomar banho. Nem o shampoo seco que eu tinha levado salvou e eu não via a hora de encontrar uma água quentinha.
Comida
A comida era simples, porém, razoável. Alguns moradores improvisavam um mercadinho na frente de suas casas e ofereciam refeições. Mas, na maioria das vezes, comemos nos lugares em que ficamos hospedados. Dhalbhat é o prato mais comum e tradicional da região, qie inclui lentilhas, arroz e batatas com algum vegetal. É impressionante como eles comem isso todos os dias e sem enjoar. Nossas refeições variavam entre o Dhalbhat, omelete, arroz com batatas, noddles, spaguetti com queijo ou ketchup (muito raro encontrar molho de tomate), e o prato preferido do Mau, que eram os dumplings, chamados de Mo:Mo (vegetais ou carne envoltos em uma massa a base de arroz, podendo ser fritos ou cozidos). Mas era preciso ficar atento, os casos de diarreia são comuns por causa da falta de higiene em alguns locais.
Como conseguir um guia?
A maioria das pessoas que visitam o Nepal tem interesse em fazer algum tipo de trilha, até porque é uma região que nem tudo é acessível por meio dos transportes tradicionais. Há muitas agências locais que vendem os mais variados percursos. É possível encontrá-las facilmente pela internet e mandar um e-mail de acordo com o tipo de trilha, duração e percurso que tiver maior interesse. Geralmente, as pessoas contratam um guia e um carregador, porque dependendo do tipo da trilha, não é fácil carregar sua mala. As agências montam os pacotes incluindo o guia, o carregador, a hospedagem e as refeições, mas tudo pode ser negociável. Assegure-se que também esteja inclusa a permissão do governo, uma taxa específica que é preciso pagar dependendo do percurso a ser realizado.
Dicas para quem quiser se aventurar em uma experiência como esta e não está acostumado a fazer trilha como nós:
- Faça um roteiro começando com poucas horas de caminhada por dia e vá aumentando gradativamente na medida em que seu corpo também vai se acostumando com o percurso;
- Pode ser uma boa opção contratar somente o guia e o carregador e pagar separadamente pelas refeições e hospedagem. Fique de olho nos valores que a agência está cobrando para estes itens. Mas, lembre-se que quanto mais remoto o local, mais cara será a comida.
- Leve um purificador para água, seja em tabletes, em gotas ou uma garrafa que tenha filtro;
- É sempre bom levar um saco de dormir, mesmo que vá ficar em pequenas pousadas. Quanto mais remoto o local, mais simples serão as condições da acomodação;
- Levar alguns petiscos na mochila pode salvar o dia, pois as vezes cansa comer quase a mesma coisa todo dia e é preciso se alimentar bem para as longas horas de caminhada. Recomendo principalmente barras de cereais e vitaminas;
- Não esqueça de levar papel higiênico, pois com certeza não vai se arrepender e ainda vai descobrir várias utilidades para ele;
- Principalmente para mulheres, uma dica é levar shampoo seco. Tem várias marcas no mercado e é mais fácil encontrar em grandes farmácias;
- Aconselho a ter um “stick” (bastão) para ajudar na caminhada. Ajuda a equilibrar todo o peso do corpo;
- Tenha um mapa do local que irá caminhar. Tivemos problemas para conversar com nosso guia que não falava inglês muito bem e quando conseguimos um mapa da região, ficou bem mais fácil de planejar nosso percurso e entender o quanto caminharíamos cada dia;
- Vá até onde conseguir ou seu corpo reclamar. Se a caminhada ficar mais dolorosa do que prazerosa, é hora de recalcular a rota, mesmo que isso atrase os planos para chegar no destino final.
- E, por fim, não deixe de interagir com os moradores e as pessoas do local, mesmo que não falem a mesma língua. São nessas horas em que a gente mais aprende com uma experiência como esta!
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